18 September 2006

tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la

Deus sabe que nunca na vida pensei que ia gostar de um texto do Miguel Esteves Cardoso, li O Amor é Fodido até meio antes de desmaiar de tanto tédio e nunca, mas nunca consigo terminar uma crónica dele (agora já nem as começo) mas este texto comoveu-me e merece ser lido. Até ao fim.

O Elogio do Amor
"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas.Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banançides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. é uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

4 comments:

  1. Anonymous4:44 PM

    (suspiro)

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  2. o miguel sousa tavares tem um texto parecido com este!
    a realidade é que o amor praticamente já não existe exactamente por não ser prático!
    mas eu sei o que é o amor porque nasci e cresci no meio de muito amor e tive e ainda tenho bastantes dificuldades de adaptação num mundo onde já não há amor.
    mas não me importo porque se eu sei o que é o amor já nada mais importa.
    já valeu!
    agora tento transformar o mundo com este conhecimento ou não?

    acho que ninguém quer.
    não é prático.
    como é que podes ter uma carreira de sucesso se passas o dia a suspirar por causa do teu amor?
    como é que podes vender uma ideia a outra pessoa com a maior simpatia do mundo se sofres por amor?

    e aquele amor que te dói na alma porque não é correspondido?

    e aquele que te amam, fazem tudo por ti e para ti é só amizade?

    enfim, isso é o amor.
    tudo o resto são conviniências. existe um texto do qual eu não sei quem é o autor que diz:"“WHO IS THE CLOWN?
    WHO IS THE FOOL?
    WHICH ONE KNOWS HE IS BLAME
    AND WICH ONE IS LAST IN THE GAME
    I CAN HEAR THE VOICE
    WHY CAN’T THEY
    I AM GLAD I WASN’T BORN INTO YOUR WORLD
    IT WOULD BE SAD TO BE BORN INTO A WORLD THAT DOESN’T BELIEVE IN LOVE ANYMORE
    I’M NOT WRONG
    THEY SAY THEY UNDERSTAND ME
    BUT I CAN’T STAND TO BE UNDERSTOOD
    I LIKE ALL PEOPLE TO LIKE ME
    BUT THEY CAN´T NEVER UNDERSTAND WHY I DON´T BELONG TO ANYONE
    WHO I’M I?
    I’M ALL OF YOU
    I BELONG TO EVERY ONE BECAUSE I BELONG TO NOONE.
    IN MY WORLD
    THERE IS NO TIME
    TIME IS BEING BORN AND DYING
    THE UNTIME IS LIVING WITHOUT BEING AFRAID
    WITHOUT TRYING TO CATCH SOMETHING
    OR RUN AWAY FROM SOMEBODY
    YOU CAN’T GET AWAY FROM IT ALL
    YOU HAVE TO BE ALONE BEFORE YOU CAN FIND OTHER PEOPLE
    YOU CAN’T HOLD ON TO LIFE
    YOU CAN ONLY TOUCH IT
    HOW OLD IS FOREVER
    WHEN IS TO OLD TO HOPE
    YOU’RE TIRED AND I’M NOT
    YOU LIVE AGAINST TIME
    AND I HAVE TIME TO LIVE
    IN MY WORLD NOTHING AS ALWAYS BEEN
    SO NOTHING WILL ALWAYS BE
    IN MY WORLD WE CAN STILL BELIEVE IN LOVE
    IF YOU BELIVE IT FOREVER
    YOU BUILD A WALL AROUND NOW
    WHAT IS, IS ALWAYS CHANGING
    IF IT ISN’T
    THEN WE ARE DYING
    I LIVE IN AN OCEAN OF TIME
    WHERE THE PAST IS LOST IN THE FUTURE
    THERE IS TIME FOR EVERYTHING
    THERE IS TIME
    TO LOVE
    TO HOPE
    TO CHANGE
    NOBODY KNOWS ME NOW.”

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  3. Hoje cheguei até aqui pela mão da Pati! Mas soube-me bem ler este texto e apeteceu-me dizê-lo... Soube-me bem porque me lembrou a sorte que tenho de fazer parte dessas que pessoas que passam a vida apaixonadas por alguém e que andam sempre a correr atràs do amor, mesmo quando não dà jeito nenhum e que so nos vai é atrapalhar a vida! Podemos não ter um amor a vida inteira, mas nada nos impede de termos uma vida inteira de amores...

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  4. Amei!
    Espero não me voltar a envolver no amor calmo de pantufas, resignado, mas sim nos suspiros e devaneios permanentes.
    Keep on sushi!

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